CABO VERDE: A IMPERDÍVEL ILHA DE SANTO ANTÃO
- casaemconta
- 19 de ago. de 2018
- 5 min de leitura
Atualizado: 14 de nov. de 2023
Chegámos a Santo Antão sem saber bem o que nos esperava. Para trás ficou uma viagem de barco meio atribulada – e quando digo meio atribulada, ficou mesmo acima da aterragem em São Vicente que por si só já não foi simpática. Nada que surpreendesse o Luís [o nosso guia], afinal, São Vicente é conhecida pelo frio [que para nós é calor, 21ºC] e pelo vento. Como apanhámos o barco das sete da manhã, à chegada a Santo Antão eram vários os comerciantes com carrinhas carregadas de legumes que se preparavam para embarcar e fazer o caminho inverso – rumar a São Vicente para lá venderem os seus produtos.
Em Santo Antão, dá-nos as boas vindas a mulher africana. Ou pelo menos, pretende-se que assim seja. Visível do barco, a estátua, virada ao mar, de uma mulher a agarrar o filho pela mão, pretende ser uma homenagem à mulher africana que, em tempos, tinha como obrigação ficar em casa a cuidar dos filhos enquanto os seus maridos iam à pesca. Hoje, diz-nos o Luís, “é de igual para igual”.

Porto de Santo Antão
Do roteiro fazia parte a passagem pelas cidades de Porto Novo – onde desembarcámos – Ribeira Grande e Paúl. E à nossa espera estava já o Gregório, o motorista de hoje. Arrancámos em direção à estrada velha, construída há centenas de anos em basalto. E subimos ao segundo ponto mais alto da ilha. A ideia era fazer uma caminhada de uma hora à volta da cratera de um vulcão que aqui se encontra, mas o nevoeiro não deixou. Continuámos então, descendo o monte em direção à Ribeira Grande, parando sempre nos sítios onde a beleza natural o justificava – muito frequentemente portanto.
À medida que avançávamos, surgiam cada vez mais trilhos. O Luís já os percorreu quase todos. Conhece os caminhos de Santo Antão como a palma da sua mão. Só nesta semana, já tinha percorrido mais de 100 quilómetros. “É a melhor forma de conhecer a ilha”, garante. Os adeptos de caminhadas chegam a Santo Antão todos os dias. A prioridade dos grupos que acompanha, conta-nos o Luís, é sempre conhecer o mais detalhadamente possível a ilha e os costumes dos que cá moram. Por isso, o plano está traçado. Mochilinha às costas com um piquenique e ala conhecer a verdadeira ilha verde do país. A dormida faz-se, na maior parte das vezes, em casas locais – uma experiência que permite aos visitantes o contacto direto com a população e claro, garante que as refeições servidas à mesa são as originais feitas pelas mãos de quem sabe.
A paragem seguinte foi na Ribeira Grande, antiga capital da ilha de Santo Antão. Percorremos as principais ruas da cidade – que não é muito grande – e visitámos a igreja e o mercado.
E seguimos para a Ponta do Sol, o segredo mais bem guardado desta cidade. À chegada recebe-nos a casa do antigo administrador colonial, um edifício pintado de amarelo forte que dificilmente passa despercebido a alguém. Por aqui, há já um número considerável de pensões. Muitos dos visitantes optam por se alojar na Ponta do Sol por ser um ponto mais central para conhecer toda a ilha. A vila é super tranquilinha. Há lojas de artesanato e mini mercados, mas o que mais tempo nos tomou foi o porto.
Quando a Ribeira Grande era a capital de Santo Antão, este era o porto principal da ilha. Em Santo Antão, a pesca e a agricultura são as principais atividades económicas. Nós chegámos em boa altura. Os pescadores acabavam de encontrar no mar um lugar que estava a dar muito peixe.

Continuámos a viagem, rumo ao Paúl, onde estava combinado o almoço. E continuávamos a adorar tudo o que víamos.
Após uma paragem na casa onde se produz o “grogue” – a aguardente feita com cana de açucar, que tem 40 graus, e que os cabo-verdianos bebem como se fosse água – , chegámos finalmente a Lombo Comprido, o sítio onde está localizada a casa da dona Bibi, a anfitriã de hoje. As nossas barrigas já estavam a queixar-se, confesso. Talvez por já saberem o que as esperava – cachupa – a curiosidade era muita. O ganha pão da família da dona Bibi é o turismo. Na sua casa faz criação de animais, tem plantações de todos os legumes e mais algum, aluga quartos a turistas e cozinha para todos os que aqui queiram experimentar algumas das especialidades do país.

Cachupa. É feita com: carne salgada, enchidos, peixe, batata, repolho, grão, banana verde, feijão, mandioca
O almoço foi animado. De três passámos a quatro porque o Gregório juntou-se a nós. Entre um e outro prato de cachupa falou-se de tudo. Da política de Cabo Verde – que tinha sido debatida na noite antes na televisão por ocasião do balanço de dois anos de governo do primeiro-ministro – aos escândalos do mundo do futebol, passando pela corrupção que tem sido também um tema corrente em Cabo Verde. O Gregório e o Luís são dois orgulhosos santo-antonienses. Não têm dúvidas que o grogue daqui é o melhor do país e dizem também que a hospitalidade dos naturais da Praia deixa um bocadinho a desejar. Discordam em alguns temas políticos. O Gregório acha que Cabo Verde é uma cópia de Portugal e isso não o satisfaz. O Luís, não sendo apoiante do MPD – partido no poder – acha que em alguns campos, o governo tem estado a fazer um bom trabalho. Voltam a estar do mesmo lado quando o tema é o futebol. São adeptos ferranhos do FC Porto e hoje, dia da Final da Liga dos Campeões, torcem pelo Real Madrid “claro”.
Depois do almoço, acordámos em fazer uma caminhada de alguns minutos. Desceríamos o vale e o Gregório estaría à nossa espera lá em baixo. E que caminhada. Nos trechos de terra que percorremos não passam carros, o acesso faz-se exclusivamente a pé, e olhem que estamos a falar de casas que ficam no cimo de um monte bem íngreme. A meio, está situado um hotel. Conta-nos o Luís que pertence a duas amigas holandesas que, numa viagem à ilha, se apaixonaram por dois cabo-verdianos e pelo país. Mais tarde, voltaram para ficar. Quando estamos já a chegar ao final do nosso trilho, cruzamos com uma senhora já de idade toda simpática. Trocamos o cordial “boa tarde”. E percebemos que é uma das empregadas do tal hotel. A sua função é levar e trazer as malas dos hóspedes do e para o hotel. Deixo imediatamente de me queixar da dor nas minhas pernas. Mais uma das realidades para a caixa da interiorização em silêncio…
Entre estradas e caminhos de terra batida, uns mais estreitos (muito estreitos) que outros, perguntamos ao Gregório se existe limite de velocidade. A resposta é rápida: “é a ribeira. Quando cais, sabes que ias mais rápido do que o suposto” 🙂
Já de regresso, tivemos tempo ainda para fazer uma visita a um produtor de queijo local. A seu cargo tem cerca de 100 cabras. Bem ensinadinhas, todas as manhãs vêm ao sítio onde nos encontramos e onde se produz o queijo, para beber água. É nesta altura que o produtor aproveita para lhes tirar o leite. Todos os dias, são feitos cerca de 20 queijos que são depois vendidos a cerca de 1,5 euros (150 escudos cabo-verdianos). Este cabo-verdiano não tem mais de 25 anos, largou os estudos para ajudar o pai e hoje é o responsável pelo negócio.
Junho é uma boa altura para visitar Santo Antão, pois o Santo padroeiro da ilha é, à semelhança do Porto, o São João, por isso há festa garantida. No ano passado, os festejos contaram com dez mil pessoas. Tendo em conta que na ilha vivem 11 mil, conseguimos perceber a importância da data!
[Fotos não editadas]







































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